Por vezes acontece-nos cruzarmo-nos com pessoas especiais.
Não me refiro a pessoas que são especiais para nós. Não é isso. Refiro-me a pessoas reconhecida e objectivamente especiais.
Pessoas que parecem feitas de uma substância gasosa e não de carne e osso.
Pessoas que vivem enquanto outras sobrevivem.
Pessoas que flutuam.
Pessoas que parecem ter uma essência etérea.
Pessoas para quem a felicidade é um estado de espírito permanente.
A felicidade dessas pessoas é um verdadeiro mistério, pois não decorre de nenhum facto da sua vida, ou das condições gerais da sua existência.
A sua felicidade é inerente, inacta.
Talvez por isso é possível encontrarmos pessoas assim de qualquer idade.
É o caso da Teresa que tem cinco anos (e é amiga do meu filho) e do meu avô que tem 86.
Este tipo de pessoas têm uma alma pura. E só o facto de estarmos perto delas faz com que nos sintamos protegidos pelo mesmo escudo que as protege, com a diferença que quando nos separamos, quem leva "a aura" consigo, são elas.
Lembro-me frequentemente da mesma imagem. A Teresa a aproximar-se da laranjeira que tem na sua casa da Cotovia, a colocar-se em bicos dos pés e a arrancar uma laranja. Depois, completamente indiferente aos quatro adultos e três crianças que a rodeavam, começa a descascá-la e a comê-la gomo a gomo, com toda a felicidade e serenidade deste mundo. Foi um daqueles momentos em que o tempo parece parar.
No caso do meu avô, lembro-me de sempre ter atribuído esta sua característica à sua infância passada em Goa. De ter sempre achado que ele ia buscar a felicidade às tardes passadas a roubar melancias com os amigos (em fila indiana, passando a melancia com o pé para o miúdo de trás e mantendo sempre a fachada de quem "está só a olhar"), e a comê-la com as mãos num muro que separava a estrada da praia.
Estas pessoas fazem amigos com muita facilidade, mesmo não tendo, na minha opinião, muito "jeito" para as relações. Isso deve-se - a meu ver - ao facto de viverem embriagadas pelo seu próprio estado de espírito, o que faz com que nem sempre sejam muito atentas ao outro.
No entanto, estas pessoas são como aquelas cartas que valem muitos pontos. E encontrá-las é, só por si, uma sorte muito grande. Não porque se possa aprender alguma coisa com elas (porque tal não é possível), mas porque é um prazer muito grande admirar e sentir (ainda que momentaneamente) os pózinhos que deixam cair.
Thursday, February 24, 2005
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