Friday, July 27, 2007

Altimetria corpórea

Shalom Harlow

Take 1 - Lingrinhas
Linhas esguias, traços lisos, masculinos.
Peito liso, calças de ganga de cintura descaída, cabelo à pagem e 12 anos, a jogar à bola na praia.
25 kilos. Tanto tempo a pesar 25 kilos.
Os dias a passarem, feitos meses e anos, e o ponteiro da balança sem vacilar: 25 kilos.
Os dias eram passados em cima da árvore.
Visto de cima, o mundo dividia-se em duas metades (e eu, feita caroço, à espera de cair à terra e me tornar fértil):
- no da esquerda, as miúdas de cabelo comprido e de vestido com laço, passeavam de braço dado, brincando às professoras;
- no da direita, os rapazes suavam à bola todos os 30 minutos.
E eu em cima da árvore.
«Sofia, já reparou, que metaforicamente, continua “em cima da árvore”?»

Take 2 - A Entumecer
A fazer um movimento realizado mil vezes anteriormente. A levantar a t-shirt para a despir e a constatar, confirmando com a polpa dos dedos, as novas elevações que me surgem sob os mamilos.
Parecem inchados.
Ser híbrido. (Isto não é nada).
As transformações não deveriam ocorrer sob o olhar dos outros.
As curvas de nível são curvas planas que unem pontos de igual altura; portanto, as curvas de nível são resultantes da intersecção da superfície física considerada com planos paralelos ao plano de comparação.
Ao plano de comparação.
13 anos não nos preparam para as transformações morfológicas que sofremos.
E o Miguel, cheio de borbulhas, de Gina em Riste: “O Ana, diz-me lá tu que deves saber, porque é que o pipi faz um altinho, aqui à frente? Porque é que não é liso.”
E eu a corar o sangue já tão rubi.

Take 3 - Roliça
A cena agora é outra. O contexto, completamente diferente.
Os personagens são novos, tirando a protagonista.
A protagonista pesa agora 60 kilos.
«A minha filha nunca foi muito feminina. Nunca gostou de nada do que eu lhe comprava.»
O corpo ganhou graça.
A prima, mulher feita:
«- Olha para ti…. Tu…floresceste! Vê-se a olho nú.»
A olho nú.
Tem agora um corpo que faz os outros olhar demoradamente.
Um corpo com lombas...
Eu que gosto tanto de planícies longínquas. E de mulheres Modigliani.
Agora, e por mais alface que eu coma, o ponteiro continua a não querer vacilar: 60 kilos, que me parecem 200.
“O que interessa, de resto, peses o que pesares, o importante, dizia eu, é ter onde pôr os olhos e onde pôr as mãos”.
Tenho, tenho muito sítio, de facto, onde pôr mãos, perder agulhas, dedais, clips, e até coisinhas maiores.... sei lá... borrachas, beijos.
«És muito física, não és?»
Tão corpórea.

No comments: